Caros 5.75 leitores, no momento em que vos escrevo, tenho uma faca cravada no peito, não pelo pequeno drama social do momento mas porque está em curso um golpe de estado no Myanmar, que, como estão cansados de ler, é um dos meus países preferidos do mundo inteiro.
Posto isto, e porque, mais do que nunca, é importante dar a conhecer, ao mundo, este incrível país, partilho, convosco, a experiência única que é voar numa companhia aérea birmanesa, neste caso em concreto, a Golden Myanmar Airlines.
A nossa experiência no Inle Lake, estava a ser absolutamente inacreditável, quando nos apercebemos que tinha chegado o momento de seguir viagem até Hpa-an, para descobrirmos os encantos do sul do país. Uma vez que ir de autocarro estava totalmente fora de questão, além das estradas perigosas, demoraríamos mais de 24 horas, optámos por voar do lago até Yangon, e, daí, seguir de bus, numa viagem que, em teoria, não deveria demorar mais do que sete horas.
Apesar de os bilhetes de avião não serem super baratos, cerca de cinquenta euros por pessoa, decidimos avançar, e, às oito em ponto, chegámos ao aeroporto. Confesso que, apesar da má fama de algumas companhias birmanesas, e de termos ouvido histórias um tanto assustadoras, nomeadamente a contada, em Mandalay, pelo espanhol Manuel, como narrei neste post, estávamos tranquilos e confiantes.
O aeroporto que faz a ligação com o Inle Lake chama-se Heho, e não é mais do que um hangar doméstico com uns bancos corridos no interior e muito pouco confortável. O controle de segurança, efetuado por um funcionário que mal olhou para nós, é, também ele, inacreditável, já que não verificaram nada do que levávamos. “Espetacular”, pensei. “Pena não termos trazido a bomba atómica e as espadas de Samurai”. Ainda mal nos tínhamos sentado, já a luz do aeroporto se tinha desligado, e, foi, então, que a ficha caiu: “Se calhar, não foi boa ideia termos optado pelo avião”, comentei. Mas era tarde e já nada havia a fazer.
Ao nosso lado, felizes e contentes, um grupo de seniores alemães, cantava e ria, como se não fosse nada com eles. Aquela atitude, fascinou-me e comecei a reparar nos pormenores. Com uma média de idades de, seguramente, oitenta anos, deviam ser cerca de quinze e estavam acompanhados por vários guias e assistentes. A maior parte tinha dificuldade em deslocar-se e, dois ou três, usavam uma espécie de andarilho. “Que bosses. Mal se conseguem mexer, mas vieram viajar para a Birmânia. Vamos ser nós quando chegarmos a velhos, está decidido!!”, comentei com o meu marido. “Só nos falta arranjar um grupo de amigos com este espírito, e não demasiado xexés”.
Após mais quatro falhas de energia, e duas horas de atraso, o nosso avião lá chegou, e estávamos prontos a embarcar. Mais uma vez, desobedeci aos conselhos do meu pai, que sempre me disse: ” Filha, nunca viajes em nada com os hélices de fora”. “Se não tinha caído com o espanhol, também não ia cair connosco”, e lá fomos.
Escusado será dizer que o sistema de transporte das malas suscitou muitas dúvidas e tive algum receio que nos colocassem droga nas mochilas, ou que as mesmas nunca chegassem a Yangon. Mas, viajar no Myanmar, para além de uma experiência única, é, também, um ato de fé, pelo que não tivemos outro remédio que não acreditar.
A registar, à semelhança do que havíamos experienciado no autocarro, como narrei neste post, o serviço de bordo incrível, com assistentes maravilhosas, e comida deliciosa, de fazer chorar os trens de aterragem da TAP.
Foi num misto de tristeza, por abandonarmos o Lago, e expectativa, por continuarmos a descobrir o inacreditável Myanmar, que levantámos voo para Yangon, na esperança de encontrarmos um autocarro aleatório que nos levasse até Hpa-an. A nosso missão era, agora, descobrir os encantos do sul do país e da cidade que inspirou o famoso escritor britânico George Orwell nos seus “Burmese Days”: Moulmein. (Não fujam: To be continued).
Crónicas do Myanmar: Uma aula de culinária birmanesa no Inle Lake
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