Crónicas do Myanmar: De Mandalay para as montanhas de Kalaw

Foi com lágrimas nos olhos que saí de Mandalay rumo a Kalaw. A beleza incrível desta antiga capital do Myanmar, bem como o facto de termos tido, apenas, pouco mais de um dia para a visitar, tal como referi na crónica anterior, deixaram-me o coração bem apertadinho, e com a certeza de, um dia, voltar. Uma vez que Kalaw não possui aeroporto, optámos por fazer o trajecto de autocarro com a JJ Express. Considerada a melhor, mais luxuosa, e mais confortável, transportadora do país, oferece um serviço absolutamente irrepreensível e muito mais competente do que muitas companhias aéreas.  Assim, por cerca de 20 euros, bilhete de primeira classe, tivemos direito a bolinhos, chá, café e sumo à descrição, bem como a ecrã com filmes e jogos, numa viagem que durou sete horas e incluiu três paragens na estação de serviço. As funcionárias, verdadeiras hospedeiras do asfalto, foram ao pormenor de dobrar a mantinha sempre que saíamos. Absolutamente espetacular. 

Outro aspecto muito importante é o de os autocarros serem novos, limpos, e seguros, o que, para um caminho de montanha, com curvas e contracurvas, é super tranquilizador. Apesar de a pontualidade não ser , propriamente, o forte dos birmaneses, às 9.30h, meia hora depois do esperado, estávamos confortavelmente sentados a caminho de Kalaw, onde iríamos ficar, apenas, uma noite, para, na manhã seguinte, dar inicio a um dos mais incríveis trekkings do mundo: O caminho, por montanhas, mosteiros, e aldeias de camponeses, até ao Inle Lake, um dos maiores lagos vulcânicos do mundo, e ponto de paragem obrigatória na Birmânia.
A subida, apesar de consideravelmente perigosa, uma vez que as estradas são estreitas, íngremes, sem protecções laterais e com o piso em péssimo estado, é lindíssima. A floresta serrada, de um verde único, dá-nos um vislumbre do Myanmar profundo, sendo possível viajar, durante quilómetros, sem vestígios de civilização. 

Não sei o que me passou pela cabeça, mas, durante a viagem, devo-me ter entusiasmado tanto com o chá ou a coca cola que, quando chegámos a Kalaw, estava a morrer para ir à casa de banho, e, o pior é que não tinha nenhuma à vista. De facto, esta pequena estância de montanha, procurada, essencialmente, para a prática de desportos de natureza, não se encontra, especialmente, bem preparada com infraestruturas turísticas. No entanto, o Tuga é desenrascado, pelo que me enfiei no primeiro estabelecimento que avistei, uma espécie de café/mercearia/loja que vende tudo. Apesar de não estar especialmente limpo, era um WC, e, já mais calma, iniciámos a nossa (breve) descoberta da cidade.
Dominada por um grande mercado de rua, onde é possível encontrar comida deliciosa, Kalaw é uma localidade pequena, repleta de pequenos chalés de montanha, o que lhe dá um toque ocidental, bem diferente do restante Myanmar. Em alguns pontos, parece mesmo que estamos em Andorra ou Serra Nevada. Contudo, o cheiro de comida e especiarias, não nos deixa esquecer que estamos, efectivamente, na Ásia. Como que hipnotizados, não resistimos em provar (quase) tudo, sobretudo as deliciosas chamuças da foto, que eram obscenamente deliciosas.

Já super cansados, arrastámos as malas até ao “Bed and Breakfast” com a melhor relação qualidade / preço do Booking: A residencial Thitaw II. Gerida por um melga de meia idade, do qual, honestamente, não me recordo o nome, é um espaço limpo, organizado, com uma ponta de conforto europeu, que sabe sempre bem para matar saudades de casa. Para além de super simpático, o nosso anfitrião partilhou informações muito úteis sobre o Myanmar, frisando bem a sua paixão pelo país, que o havia levado, vinte anos antes, a abandonar a aborrecida, e cinzenta Europa, para viver na Ásia. No mínimo, fascinante.
Após uma noite em que dormimos como bebés nos colchões mais confortáveis de sempre, fomos presenteados com um pequeno-almoço incrível, ao jeito europeu. Estes “pormenores”, aliados às preocupações com o uso racional de água, reciclagem, etc, aqueceram-me o coração e, fizeram, deste, um alojamento a destacar na nossa viagem.  
Às nove em ponto, já o James, o guia que nos iria levar, durante dois dias e uma noite, pelos incríveis cinquenta quilómetros que separam Kalaw do Inle Lake, estava à nossa espera, para nos conduzir a uma das maiores aventuras das nossas vidas.

Mais sobre o Myanmar: 

Crónicas do Myanmar: A Road to Mandalay – Parte III

 

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