Yangon, a cidade dourada de Burma

A minha ansiedade, e expectativa, eram tão grandes em chegar ao Myanmmar, que, quando o avião da Air Asia aterrou em Yangon, parecia que o coração me ia saltar do peito. De facto, as notícias que a comunicação social tem publicado sobre o massacre dos Rohingya não deixam ninguém confortável, o que acentuou, ainda mais, a minha curiosidade em conhecer um dos países menos visitados da Ásia, em torno do qual tanto se especula. 

O aeroporto da antiga capital birmanesa, é um misto de kitsch dos anos 80, forrado a carpetes vermelhas tipicamente chinesas, calcorreadas por militares imberbes de metralhadora em riste, o que, devo confessar, é um pouco assustador. Passado o choque do primeiro embate, a simpatia e o ar hospitaleiro dos funcionários, que nos dão as boas vindas com um sorriso de orelha a orelha, fazem com que, quase de imediato, o nosso coração fique rendido ao Myanmar. Preocupação numero um: Apanhar um transporte até ao centro de Yangon. Felizmente, ao contrário de outras cidades asiáticas foi rápido, e sem incidentes: Os táxis têm um preço fixo de dez dólares, e são bastante confortáveis.

Chegámos à porta do nosso alojamento no meio de uma verdadeira tempestade tropical. “Raios, estamos bem lixados”, pensei. “A sugestão de virmos em Outubro, no final da época das chuvas, foi minha, e vamos levar com um diluvio bíblico. As férias estão arruinadas”. Para melhorar, um trovão deixa a rua às escuras, o que nos obrigou a entrar num restaurante onde os empregados não deviam ter mais do que dez ou doze anos, mas, que, por ter gerador próprio, era o único sitio com energia. Para não parecer mal, e uma vez que a chuva não parava, o que nos impedia de atravessar a estrada e chegar à porta da Guest House, acabámos por pedir algo para jantar, e justificar a nossa presença. Como a noite se previa ser um crescente de acontecimentos espectaculares, o proprietário, um tipo gigante com um ar sebento, e uma camisola repleta de nódoas, não parava de mexer na comida com as mãos. “Bem, não há-de ser nada”, pensei. “Já passámos por coisas piores”. Ao fim de cinco minutos, a comida estava na mesa, e curiosamente, os noodles maravilhosos. 

Finalmente, a luz chegou, pelo que conseguimos chegar ao alojamento, o Royal Yadanarbon Hotel. Situado no topo de um antigo prédio, mesmo no centro da cidade, não é, definitivamente, o melhor do mundo, mas, tendo em conta o cenário existente na metrópole, onde os bons hotéis são caríssimos, até nem fizemos um mau negócio: Doze euros por noite, com pequeno-almoço incluído. Apesar de algumas falhas na limpeza, o staff era simpático, e a cama relativamente confortável. Os únicos aspectos verdadeiramente negativos eram o dono paquistanês, uma pessoa assustadora que só queria saber da nossa vida, ao ponto de acharmos que nos queria raptar para roubar os rins, e o quadro eléctrico da entrada, onde chovia torrencialmente. Escusado será dizer que, durante a noite, trancavam a porta do alojamento, e, caso o dito incendiasse, morreríamos carbonizados sem ter por onde fugir. Enfim, pormenores.  

Tanto nos falaram da beleza de Yangon, que acabámos por reservar dois dias inteiros para conhecer uma das mais emblemáticas (antigas) capitais da Ásia. A nossa visita começou pelo famoso Kandawgyi LakeTambém conhecido como “Lago Real”, é um dos maiores lagos artificiais da cidade, tendo sido concebido pelos britânicos durante a época colonial. Rodeado por extensos jardins extremamente bem cuidados, um zoo, inúmeros restaurantes, e um mercado botânico, um dos seus principais ícones é o famoso Karaweik, o palácio flutuante em forma de pássaro, símbolo da Myanmmar, a famosa cerveja nacional. 

Ideal para caminhar, fazer jogging ou, simplesmente, respirar ar puro longe do caos da cidade, no extremo norte é possível subir ao quinto andar da Torre da Utopia, que possui uma vista deslumbrante sobre Yangon. Quem gostar de uma boa massagem, pode aproveitar a oportunidade e fazê-lo no primeiro piso, onde existe uma espécie de SPA, com sessões por menos de dez euros. Nós acabámos por não passar porque estávamos com o tempo contado e queríamos visitar a Shwedagon Paya, o templo mais famoso (e sagrado) do Myanmar, localizado nas imediações do parque.

Kandawgyi Lake – Informações Úteis:

Morada:  Yangon (Rangum), Myanmar 

Website: Tripadvisor

Horário: 04:00 – 22.00h.

Preço da entrada: 20 cêntimos de euro (300 Kyats)

Adornado com mais de vinte e sete toneladas de folha de ouro (shwe), gemas, diamantes e pedras preciosas, consiste no complexo religioso mais famoso do país, e um dos mais sagrados da Ásia. De acordo com a lenda, a sua construção terá sido iniciada em 600 a. C., durante a vida de Buda Gautama, que ofereceu oito cabelos para serem guardados no interior da principal stupa, hoje com 110 metros de altura. Segundo os arqueólogos, na realidade, terá sido edificada muito mais tarde, algures entre os séculos VI e X d. C., e reabilitada entre 1300 e 1485. Ditou a história que um português tivesse ficado, para sempre, ligado ao percurso do templo, mas não pelos melhores motivos: Filipe de Brito e Nicote que, em 1612, durante a guerra civil, terá roubado, do seu interior, um sino de 300 toneladas em bronze, que acabou por se afundar no rio, durante o transporte para Siriam, onde seria fundido para fabricar canhões. Até hoje, nunca foi recuperado. 

Considerada uma das mais belas payas (templos) do mundo, recebe, actualmente milhares de visitantes, entre crentes budistas, turistas e monges, estendendo-se o complexo por mais de 46 hectares. A entrada é um pouco confusa, uma vez que proliferam os vendedores de comida, bugigangas, artigos religiosos, e oferendas a Buda, como pássaros vivos, para serem libertados, flores ou comida. Quem não levar indumentaria a rigor, que é como quem diz, corpo bem tapado, fica à porta. Homens, inclusive. 

O cheiro a incenso, as celebrações religiosas, a espiritualidade, e a beleza do complexo, fazem de Shwedagon um dos locais mais incríveis que já visitei. Tivemos a sorte de apanhar as festividades do Thadingyut, último dia do calendário budista, e a experiência foi incrível. Isto, para não falar do pôr do sol no interior do templo, um dos mais belos de toda a Ásia. Para além dos principais pontos de interesse, como a coluna de Buda, onde se encontra narrada a vida de Gautama, o grande sino Maha Tisadda Ghanta, ou os vários altares, gostei particularmente do Museu, o qual, de forma muito simples, narra a história do budismo na Birmânia, o que é super enriquecedor para quem, como eu, pouco sabe da religião. Numa próxima oportunidade vou, certamente, voltar, porque este não é, de todo, um sítio para visitar, apenas, uma vez na vida. 

Shwedagon Paya – Informações Úteis:

Morada: Bahan Rd, Yangon, Myanmar

Website: Site Oficial

Horário: 04:00 – 22.00h.

Preço da entrada: Seis euros (10 000 Kyats)

Antes do fim do dia, ainda tivemos tempo para visitar outro ponto incontornável da visita a Yangon, o People´s Park. De construção recente, estende-se ao longo de 55 hectares, consistindo num local privilegiado para passeios em família, englobando uma extensa mancha verde, com dezenas de plantas e árvores diferentes, parque de diversões com montanha russa, um planetário, e inúmeras barraquinhas com comida. Gostei, especialmente, da fonte com elefantes, da vista para Shwedagon Paya, e dos casalinhos que, entre os arbustos, aproveitavam para namorar, longe de olhares indiscretos. Infelizmente, não conseguimos ficar muito tempo, uma vez que estávamos em cima da hora para a próxima paragem: Uma Food Tour pelos mercados nocturnos de Yangon. 

People´s Park – Informações Úteis:

Morada: Rangun, Myanmar

Website: Tripadvisor

Horário: 07:00 – 21.00h.

Preço da entrada: 2,5 euros (4400 Kyats)

Devo confessar que a vontade de juntar experiências gastronómicas às minhas viagens já era antiga. No entanto, nunca se tinha proporcionado, pelo que, desta vez, não deixei escapar a oportunidade. Após muito pesquisar no Tripadvisor, concluí que, por uma questão de gestão de tempo, o melhor seria optar por uma visita nocturna pelos mercados de comida de Yangon. Marcada com um mês de antecedência, a escolha acabou por recair na Sa Ba Street Food Tours, a empresa n.º 1 da plataforma. Por trinta euros, teríamos direito a um percurso de três horas pelos melhores spots da cidade, com direito a experimentar quatro pratos. E, assim, às cinco da tarde, lá nos encontrámos com a Kat e a Myat, as nossas guias super simpáticas, e com um inglês irrepreensível. 

O primeiro ponto de paragem aconteceu na emblemática Chinatown, onde experimentámos a famosa mohinga, uma deliciosa sopa de peixe, condimentada, que os birmaneses costumam comer ao pequeno-almoço. A tour englobou, também, as famosas ruas de Bo Gyoke, Mabandoola Park, e o bairro indiano, tendo terminado na 19 th Street, onde nos foi servido o melhor peixe grelhado com cerveja gelada da cidade. Tivemos, ainda, a possibilidade de degustar as típicas saladas birmanesas de limão, chá verde (a minha preferida) e gengibre, noodles tailandeses, bem como os mais saborosos lassis que já bebi na vida, num local onde viríamos a voltar, chamado Shwe Bali. 

Para além da degustação em si, o grande objectivo da visita centrou-se em explicar a utilização e origem dos ingredientes, bem como a confecção dos pratos, e respectivas influências étnicas e geográficas. Assim, mais do que uma experiência gastronómica, esta, foi, sem dúvida, uma actividade cultural incrível, que nos permitiu mergulhar, a fundo, no âmago do Myanmar. Até o meu Amor, que estava céptico, adorou. Como este tipo de programas são perfeitos para conhecer pessoas, acabámos por travar amizade com um britânico, fotógrafo profissional, que estava na Birmânia em trabalho, e nos contou que o ex sogro, um chinês, o “obrigou” a comer miolos de um macaco vivo, num restaurante de luxo em Shangai. Medo. A nossa curiosidade foi tanta que a conversa alongou-se, e a tour, que deveria ter acabado às 20.00h, só terminou pelas 23.00h, o que, para standards birmaneses, é tardíssimo.

Sa Baa Street Food Tours – Informações Úteis:

Morada: Pansodan Scene Art Gallery and Event Space, 144 Pansodan Street, Yangon

Website: Site Oficial

Horário: 17.00h – 20.00h

Preço por pessoa: 30 euros. 

O nosso segundo, e último dia, em Yangon, começou bem cedo. Estava previsto que iramos apanhar o autocarro nocturno para Bagan por volta das 17.00h, pelo que queríamos aproveitar para explorar a cidade ao máximo. A primeira paragem aconteceu na Hla Day, uma loja de artesanato sustentável que congrega artigos provenientes de todo o Myanmar, dando oportunidade aos artesãos locais de obter o justo retorno pelo seu trabalho. Criada, há quatro anos, por uma alemã,  Ulla Kroeber, que se apaixonou pela beleza do país, comercializa peças absolutamente incríveis. Quadros, loiças, roupa, malas, chá orgânico, é possível encontrar uma variedade imensa de artigos exclusivos, ideais como recuerdo ou para decorar a nossa própria casa. Por termos pouco espaço, acabámos por comprar uma gravura e um Pai Natal voador, que ficou lindamente na nossa árvore. 

De caminho, não resistimos em entrar, e experimentar a mais famosa casa de chá da cidade, a Rangoon Tea House. Com um ambiente super cool, há quem lhe chame um oásis de calmaria no meio do caos da metrópole. Para além de comercializar chá birmanês de elevada qualidade, possui uma carta irrepreensível, onde não falta a tradicional mohinga ou os pratos de inspiração indiana, como o biryani ou o butterfish bao. A comida estava absolutamente deliciosa, e o chá divinal. Em relação aos preços, apesar de serem um pouco acima da média, são bastante aceitáveis, centrando-se o valor da refeição em seis euros por pessoa. 

Quem gosta de compras não pode deixar Yangon sem visitar o Bogyoke Market, a nossa terceira paragem do dia. Localizado no interior de um belíssimo edifício colonial, construído em 1926, mesmo no final da ocupação britânica do território, é o maior da antiga capital, consistindo no local perfeito para comprar souvenirs. Artesanato, roupa, comida, pedras preciosas, é possível encontrar, praticamente, de tudo. Escusado será dizer que o meu Amor bem se tentou esquivar, mas não teve hipótese: Durante umas boas duas horas, sambei pelas apertadas ruas de lojas e lojinhas, abrindo caminho por entre centenas de turistas ávidos de consumismo. As opções eram tantas que não resisti, e acabei por comprar três objectos em lacre, para oferecer. Posteriormente, vim a concluir que alguns preços eram mais elevados relativamente aos praticados em cidades mais pequenas, como Bagan. No entanto, a variedade da escolha, bem como a espectacularidade do edifício, justificaram a visita. 

Bogyoke Aung San Market – Informações Úteis:

Morada: PabedanYangon (Rangum) 11141, Mianmar

Website: Tripadvisor

Horário: 08.00h – 17.30h

Preço da entrada: Gratuita.

Uma vez que, o que é bom, acaba depressa, tivemos que encher o peito de coragem e dizer adeus a esta inesquecível cidade. Mas não sem, antes, fazer a famosa Yangon Circle Line que é como quem diz: a linha de comboio circular que envolve a antiga capital birmanesa. Para além de uma excelente forma de conhecer a cidade, é a experiência perfeita para contactar com os locais, de forma simples e descontraída. Uma vez que íamos para a estação dos autocarros, fizemos cerca de uma hora e meia e parámos lá perto, mas, a volta completa, demora cerca de três horas e percorre quarenta e cinco quilómetros. Posso dizer-vos, 5.75 leitores, que adorámos. Os birmaneses são as criaturas mais simpáticas, afáveis e hospitaleiras do mundo inteiro. Quem disse que a Tailândia é o país dos sorrisos, é porque nunca visitou o Myanmar. Passámos por plantações de arroz, bairros pobre, lixeiras, armazéns do exercito. Na nossa carruagem entraram monges, crianças, vendedores de galinhas, jovens agarrados ao telemóvel. Num inglês meio gestual, foram fazendo perguntas, pedindo para tirar fotos, e, ao perceber que éramos portugueses, elogiando o Cristiano Ronaldo e o José Mourinho. 

Esta foi, sem dúvida, a melhor forma de terminarmos a visita a Yangon, uma das cidades mais incríveis, a nível mundial, que já tive oportunidade de conhecer. Saímos com a alma cheia, e a certeza de querer voltar. Ao ponto de (quase) esquecermos o pincel que teríamos pela frente: Doze horas de autocarro, em terceira classe, até Bagan. 

Yangon Circle Line- Informações Úteis:

Morada: Plataform, 6/7, Pansodan Street, Yangon. 

Website: Site Oficial.

Horário: 06.10h – 17.10h

Preço da entrada: 30 Cêntimos de euro. 

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