“Quem quiser passar além do Bojador, tem que passar além da dor”….

 … que é como quem diz: “quem quiser sair da
Europa civilizada, tem que ir à Loja do Cidadão, gramar a bucha, e tirar o
passaporte”.

Pois é, meus 5.75 leitores. Após
horas de reflexão, o Lobo concluiu que o nosso grande poeta, Fernando Pessoa,
nunca teria dedicado a sua épica obra: “Mensagem” à saga dos descobrimentos, se,
no tempo dele, tivesse existido uma epopeia ainda maior, de seu nome “Loja do
Cidadão”. 

Após ter andado, durante alguns dias [se calhar semanas], a empurrar o fantástico e
espetacular momento da renovação do passaporte, o Lobo aborrecido lá se dirigiu
a esse mítico estabelecimento. Em boa verdade, ao início, a coisa até nem começou mal. O
sistema de senhas é porreiro e bastante user
friendly
. O funcionário que dava apoio era simpático e prestável, e até
havia uma lugarinho muito jeitoso em frente ao guichet [o termo não está bem aplicado, mas ADORO esta palavra]. 

Até aqui, tudo muito certo. Mas,
quando, passada uma hora, a bateria do telemóvel faleceu e levou embora o
facebook, é que me comecei a aperceber da gravidade do problema. Desde que me
havia sentado, a fila dos pedidos de passaporte NÃO tinha andado UM ÚNICO
número. Anúncios como: “Excelentíssimos utentes, pedimos muita desculpa, mas as
senhas A para o serviço X estão suspensas devido a uma falha
informática” [e os gajos dos
computadores vão demorar 5680958956 triliões de anos a detetar o problema, por
isso, chapéu. Acrescentei mentalmente], ou: “Caríssimos fregueses,
lamentamos muito pelo incómodo, mas o sistema informático da repartição B
seguiu o exemplo da A e entregou a Alma ao Criador. Assim sendo, têm
duas opções: ou montam uma tenda de campanha aqui à porta, para não perder a
senha, ou vão morrer longe, e voltem cá para o mês que vem, quando tudo estiver
reposto. ” [pronto, se calhar
este último foi ouvido, apenas, dentro da minha cabeça. Mas juro que pareceu
tudo muito real].
Anyway, esta questãozinha com o telemóvel, permitiu-me ir ouvindo
os atendimentos à minha volta, e aprender coisas espetaculares:

[Menina do Guichet] – “O
fornecedor é que passa a fatura com o IVA. Ou seja, põe o seu número de
contribuinte, manda para Eles, e o
senhor fica automaticamente inscrito no sorteio”. (Esclarecimento ao Senhor António, que estava muito aflito
porque não sabia como é que se podia habilitar a um Audi);
[A mesma menina do mesmo Guichet]
– “E o sistema é igual ao da lotaria. Há um sorteio, e, se ganhar, Eles ligam-lhe” [Eles?? Eles
outra vez?? Mas quem raio é que são E-L-E-S?
WTF? Deu-me vontade de perguntar, mas contive-me. Ahh, estão a ver. Lobo Bonito]
[Senhor António, se me estiver a
ler, tenha isto em atenção. Pelo que eu percebi, o senhor já não tem “Patroa”.
Ponha-se à viva, porque a menina do
Guichet
estava a dar a mesma conversa a todos os viúvos que lhe apareciam à
frente. Eu estava lá e ouvi tudo. Com aquele ar profissional, ela quer é dar
uma volta de topo de gama, e, a seguir, chumba-lha a reforma.]
Estava eu entretida a ouvir as
explicações da Menina do Guichet a
outro viúvo, que estava com um problema gravíssimo com os rendimentos e os IMIS,
[tenho a certeza que, a seguir,
ia esclarecer o senhor sobre a história do sorteio do Audi, mas já não apanhei
essa parte.], e eis que chega o momento mais esperado do dia: A vez do
Lobo:
[Doutora X] – “Muito bom dia, é
para pedir a renovação de passaporte?
[Lobo] – “É sim, por favor.”
[Doutora X] – “Preciso do seu
cartão de cidadão e do passaporte antigo”
[Lobo] –“Ups. Peço imensa
desculpa, mas não o tenho comigo”.
[Doutora X] – “Foi roubado?”
[Lobo] –“Não”.
[Doutora X] – “Extraviou-se?”
[Lobo] –“Não”.
[Doutora X] – “Então, o que lhe
aconteceu?”
[Lobo] –“Bom, fiz a mudança de
casa há pouquíssimo tempo, tenho as coisas em caixas, e não o consigo
encontrar.”
[Doutora X] – “E apresentou
queixa na polícia?”
[Lobo] –“[Só se fosse para me prender, por ser uma pessoa pouco
organizada] “Também não porque eu sei mais ou menos onde está, só não o
encontrei.”
[Doutora X] – “Então vai ter que
escrever uma declaração a justificar o sucedido”.
[Lobo] –“Ok, vamos lá despachar
isto. [Doutora X, não me interprete
mal. Eu até gostava de ficar aqui mais umas 5 horas a ouvir os atendimentos
para ficar ultra expert em IMIS, Cabeças
de Casal, e IRS encalacrados. Também adorava ganhar um AUDI. Aliás, com esta
crise, dava-me um jeitaço. Ia ser o
júbilo da massa associativa. Tenho a certeza que a menina do Guichet seria uma ajuda preciosa neste
meu projeto. Apesar de ter a consciência que, se eu fosse um viúvo, ela seria
ainda mais prestável. Lamentavelmente tenho mais que fazer, nomeadamente ir à
minha vida, por isso, sim. Vamos despachar isto].

PS- Fiquei mesmo feliz por ELES não me terem ficado com o
passaporte antigo. Apesar de já ter expirado, tem carimbos que quase me
custaram a vida. India, Indonésia, China, Singapura, Maldivas, Hong Kong,
Macau. Apesar de alguns de vocês quase me terem morto, como é que vos podia
deixar ir, assim, embora da minha vida?

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