Bangan e seus os inacreditáveis três mil templos

Após uns dias incríveis  em Yangon, a viagem para Bagan, não foi a mais simpática de sempre. Doze horas passadas em autocarro de terceira classe, por entre estradas cheias de buracos e filmes à moda de Bollywood, os quais, tal como na Índia, passam em loop nos transportes públicos birmaneses, não deixando os passageiros pregar olho por um minuto. Ainda ponderámos fazer o trajecto de avião,  uma vez que não demora mais de cinquenta minutos, mas o preço pouco convidativo das passagens (100 euros por pessoa), fez-nos optar por poupar … e sofrer um pouco. E ate nem nos podemos queixar muito já que, dado termos viajado durante o feriado do Thadingyut, (último dia do calendário budista), os bilhetes estavam esgotados. No entanto, como somos tugas precavidos, comprámos, com antecedência, pela net, e, por pouco menos de sete euros, uma estação de serviço apinhada de gente, onde foi o caos para ir à casa de banho, e lugares pouco espaçosos e confortáveis, lá atingimos o nosso destino: A inacreditável cidade imperial de Bagan com os seus três mil templos budistas, construídos entre os séculos IX e XIII d. C.

Originalmente, acredite-se que tenham sido edificadas mais de dez mil payas na região, que é, actualmente, um dos principais centros religiosos do Myanmar. Chegámos pelo amanhecer, e, como já nos havia acontecido no Sri Lanka, adormecemos, falhámos a paragem e só nos apercebemos uns quilómetros mais à frente. Uma vez que já temos experiência, fizemos olhos de carneirinho e lá nos foram levar ao sítio certo. À nossa volta, uma paisagem de cortar a respiração: Os famosos, e inacreditáveis, templos de Bagan, que apenas não são património da Humanidade porque o governo Birmanês não cumpre os protocolos inerentes à sua preservação, e decidiu abrir uma estrada e um campo de golfe numa parte do complexo. Seja como for, é um sítio arqueológico incrível que justifica, por si só, percorrer mais de dez mil quilómetros, e pagar os vinte e cinco dólares que o governo birmanês exige, para os visitar. Bagan está, essencialmente, dividida em três áreas: A cidade velha, onde se localizam a maior parte das payas, a cidade nova, e Nyaung U, onde se encontram vários hotéis recentes, que foi onde ficámos, por ser, também, mais em conta. O nosso alojamento, o Golden Rose Guest House, era bastante limpo e decente, por um preço muito razoável: oito euros por noite, a dividir pelos dois. O facto de os proprietários falarem pouco inglês foi quase um problema, mas, por gestos, lá percebemos onde poderíamos alugar uma bicicleta eléctrica, a forma mais confortável, barata, e prática, para visitar o complexo dos tempos, já que os estrangeiros estão, supostamente, proibidos de conduzir. Assim, por cinco euros/dia, lá requisitámos um veículo usado, quase novo, que nos permitiu percorrer os mais de dezoito quilómetros pelos quais o complexo se estende.

Parecidas com uma scooter, do ponto de vista da segurança, não são, propriamente, o melhor transporte do mundo. São instáveis, demasiado leves, a bateria pode acabar a qualquer momento e deixar-nos no meio de nenhures, geralmente os travões não funcionam bem, e não existe capacete no meio de um trânsito absolutamente caótico. Só coisas boas. Ainda assim, acabámos por optar por uma bicicleta eléctrica durante todo o tempo que estivemos em Bagan: três noites e dois dias completos, que chegam, perfeitamente, para conhecer o best of.  Com a preciosa ajuda do Tripadvisor e do nosso amado Lonely Planet, optámos por visitar os templos mais importantes: Ananda Pahto, Dhammayangyi Pahto, Shwezigon Paya, Shwesandaw Paya, Sulamani Pahto, Nan Paya, Nandamannya Pahto e Nathlaung Kyaung, bem como algumas das payas menos conhecidas. A elevada concentração de edifícios religiosos num território tão curto, deve-se à crença budista de quantos mais o rei construísse em vida, mais perto estaria da ascensão plena, pelo que, ao longo dos séculos, e porque Bagan foi capital do reino de Pagan, os soberanos “competiram”, entre si, para construir tantos quantos conseguissem.

O acesso é gratuito mas há que entrar com respeito e roupa adequada, que é como quem diz: pernas e corpo tapados. Impreterivelmente, no interior de todos eles, existem representações de Buda verdadeiramente impressionantes, algumas com mais de dez metros de altura e integralmente cobertas por folhas de ouro. O facto de termos chegado durante o Thadingyut, fez com que, à noite, os templos estivessem iluminados com velas, e repletos de peregrinos a celebrar o fim do ano lunar budista. Só para terem uma pequena ideia, desde oferendas, a fogueiras, a música com tambores, cânticos e rezas, e, até, fogo de artificio e procissões, assistimos a um pouco de tudo, naquela que foi, definitivamente, um momento que vou guardar para o resto da vida. 

Duas das experiências mais incríveis de Bagan são a observação do nascer e do pôr do sol sobre as payas. Inicialmente, era permitido aos turistas subir ao terraço dos templos, os quais possuem uma perspectiva privilegiada sobre o complexo. No entanto, e porque houve quem abusasse e se portasse mal nos edifícios sagrados, agora, é proibido, o que dificulta a tarefa. Ainda assim, acordámos às cinco da manhã para levantar a bicicleta e tentar arranjar um spot para observar o pôr do sol, que aconteceria pelas 5.45 h. Após pesquisarmos no lonely planet e de consultarmos o GPS, sem sucesso, fomos chamados por um grupo de miúdos que nos conduziram ao interior de uma stupa, onde, supostamente, era permitido entrar. Rapidamente, percebemos que não era, mas já não havia nada a fazer. Estava pejada de estrangeiros, os quais, tal como nós, foram “fisgados” pelos locais, e observavam, em pleno silêncio, um dos sunrises mais inacreditáveis de sempre. À medida que os primeiros raios de sol surgem no horizonte, os templos vão ficando iluminados e resplandecentes, surgindo, às centenas, no horizonte, numa paisagem de cortar a respiração. Só assisti a algo semelhante no Taj Mahal, na Índia. 
Já a observação do pôr do sol, que é, na minha opinião, ainda mais deslumbrante, aconteceu de forma mais pacifica. Pelas 17.00 h, iniciamos a busca por um bom spot, e acabámos por encontrar uma plataforma de terra, construída para o efeito, onde estavam milhares de turistas, vendedores de multi cenas, carroças com cavalos, autocarros. Enfim, o caos. A muito custo, lá conseguimos furar a multidão e arranjar um espacinho para observar aquele, que é um dos sunsets mais famosos e irreais do mundo inteiro. À medida que o sol se esconde, o laranja luxuriante envolve os templos, deixando-os envoltos numa espécie de bruma mágica, que mais parece saída de um filme de Hollywood. 
Para além destas experiências incontornáveis, e famosas, de Bagan, tivemos, também, oportunidade de visitar o Museu da Tanaca, o pó extraído de uma árvore que os birmaneses usem com fins cosméticos e medicinais, e que os fazem ter, permanentemente, a cara branca,  alguns mercados de rua, e o pôr do sol no rio Irrawaddy, o mais famoso do Myanmar, que divide o país, literalmente, ao meio. Ficámos a saber que existe um costume budista que consiste em “salvar” peixes, que são vendidos, em sacos de plástico, à porta dos templos, e, depois, libertados no rio. 
A gastronomia, como não poderia deixar de ser, foi outro dos pontos fortes da nossa estadia em Bagan. Desde o incrível restaurante vegetariano, denominado, Be Kind to Animals The Moon, que serve uns deliciosos lassis, hambúrgueres vegan, e caris, ao famoso Weather Spoon’s, que, apesar de ser conhecido pela comida tipicamente birmanesa, copiou o nome da famosa cadeia de Pubs londrinos, todos os que experimentámos eram, sem excepção, absolutamente divinais. Por serem recomendados pelo Lonely Planet, estão, sempre, repletos de estrangeiros, que acabam por deixar as suas reviews nas paredes. Procurámos pelos nossos conterrâneos tugas, e acabámos por encontrar a mensagem do Rafa, que, tal como nós, adorou Bagan. No Weather´s Spoon conhecemos um casal britânico, com uma historia brutal: Despediram-se dos empregos e estavam a viajar, de comboio, pelo mundo, há mais de sete meses. Tinham começado algures no centro de Inglaterra, atravessado a Europa, a Rússia, a China, onde passaram três meses. Que heróis. Entretanto, ficámos amigos no facebook, trocámos algumas dicas sobre a Birmânia, e, recentemente, descobri que dois dias antes de voltarem para a Europa, a casa onde viviam foi assaltada e roubaram as jóias da mãe dela, que havia morrido há pouco tempo. Enfim, uma tristeza.  
Tristezas à parte, por visitar ficou o novíssimo Museu Arqueológico, que, por ser feriado, estava, infelizmente, fechado, mas diz o Lonely Planet que vale a pena visitar pelo espólio incrível da exposição. Ainda tivemos tempo para umas comprinhas, já que as marionetas, as pinturas em areia, e os chapéus de sol fazem parte do artesanato tradicional do norte do país, sendo esta a melhor zona para os comprar, já que são mais baratos. Num dos mercados, encontrámos, por acaso, um elemento de uma das tribos mais famosas da Birmânia: As Padaung, mais conhecidas como “mulheres girafa”. Originárias das montanhas do sudoeste do país, usam, desde tenra idade, anéis de bronze no pescoço, que se acreditam estarem associados à beleza feminina. Assim, quantos mais uma mulher tiver, mais bela será. Ao contrário do que se pensa, se os tirarem não morrem, mas a musculatura do pescoço fica enfraquecida. Pelo que percebi, costumam dedicar-se à tecelagem, e é comum vê-las em mercados e lojas da região. 
Terminámos a nossa visita à inacreditável cidade de Bagan com uma procissão em honra de Buda, e, pelas três da manhã, apanhámos o barco que nos levaria, pelo rio Irrawaddy numa viagem única até outro dos locais míticos do Myanmmar: Mandalay.

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