À Volta da India # 2 – Crónicas de Nova Delhi

“Se alguém quiser verificar se tem realmente espírito de viajante, é pela Índia que deve começar
(João Paulo Peixoto, primeiro português a visitar os 193
países reconhecidos pela ONU).

Antes de partir para a Índia,
escrevi este post no meu saudoso blog: “À Volta do Mundo”, em que fazia uma
previsão do que ia encontrar. Curiosamente, bateu tudo certo. E acertei num
pormenor muito importante: “foi a melhor e a pior viagem de sempre, o que fez
com que se tornasse inesquecível”.

Tal como havia referido, começamos
por Nova Deli. Aterrar à uma da manhã, sozinha com a S., e ter um indiano, com
aspeto [muuiiito]
duvidoso à nossa espera, não foi a cena mais fixe deste mundo. Mas tivemos que
confiar. O meu irmão vinha de Bangalore e só ia chegar no dia seguinte. Por
isso, que remédio tivemos nós se não entrar na carrinha do “Fintas” e seguir para o
Hostel, na zona velha da cidade.

Deli é uma cidade esmagadora. Com
cerca de 11 milhões de habitantes, e apesar de ser a capital da Índia, é um dos
locais mais conservadores do país, em que o lixo, as vacas [sagradas, e não, não vou fazer nenhuma piada com o tema], os sem-abrigo,
o esgoto a céu aberto, as estradas de lama, e o trânsito caótico, fazem com
que, num, primeiro embate, o incauto turista se sinta tentado a fugir e apanhar
o primeiro voo para um local civilizado. Existem alguns cuidados básicos a ter,
já que cerca de 70% dos ocidentais adoecem no Norte da Índia. Evitar água da
torneira, bebidas com gelo, comida de rua e alimentos crus, é essencial para
quem quiser sobreviver. Por outro lado, e especialmente no que toca às
mulheres, a história das violações, não é tanga. As agressões sexuais são
relativamente comuns, por isso a roupa que se usa é um aspecto muito importante
a ter em conta. Não me perguntem como nem porquê, mas os Indianos ficam loucos
com ombros à mostra. Elas podem mostrar o decote e a banha da barriga, agora os
ombros é que não pode ser. Eu, a conselho [e imposição] do meu irmão, deixei as minhas “farpelas”
ocidentais em casa, e comprei quase tudo lá. Calças à “Aladino”, túnicas largas
e t-shirts à “tronga”, foram os meus melhores amigos durante três semanas, a
ponto de os assumir como normais, o que é verdadeiramente assustador.

O nosso alojamento era razoável,
apesar de não ser o sítio mais limpo do mundo. Felizmente levei um saco-cama de
Verão, que comprei no Amazon, já que dormir naqueles lençóis estava
COMPLETAMENTE fora de questão. Desde o primeiro momento que acertámos que a
viagem seria low cust, pelo que, por
quatro euros e meio por noite, até nem ficámos mal servidos.

Ao nível dos pontos de interesse,
a cidade é absolutamente fantástica, encontrando-se pejada de Monumentos classificados
como “Património Mundial da UNESCO”. Uma vez que o tempo não chegava para tudo,
tivemos que fazer opções, e este foi o nosso Périplo: “Conhecer Nova Deli em
três dias
”:

– Monumentos classificados pela UNESCO: Red Fort (ou Forte Vermelho), construído no século XVII, é um exemplo
icónico da arquitectura indiana, sendo apelidado como “maravilha superior às prometidas no paraíso”; Qutb Minar, o minarete de
tijolo mais alto do mundo, e o Humayn´s Tomb, mausoléu
construído no século XVI, cuja beleza e perfeição nos transportam para os
contos das “Mil e Uma Noites”.

– Monumentos emblemáticos: Jama Masjid, a grande Mesquita da cidade, edificada no século XVII, e a
maior de todo o país. Recomendo a visita feita ao pôr-do-sol, para assistir à última
oração do dia e à impressionante multidão de crentes, vestidos de branco, que a
invadem; Lotus Temple, local absolutamente fantástico, em que a
beleza arquitectónica se alia à tolerância religiosa, já que foi feito para os
devotos de “todas as religiões do mundo”, e, por último, o Índia Gate,
memorial oferecido pela Inglaterra como agradecimento pela prestação dos soldados
indianos na I Guerra Mundial.

– A parte islâmica da cidade, com
o seu grande mercado, que vale mesmo a pena visitar, já que a cultura muçulmana
se acaba por fundir com a hindu, o que lhe confere uma particularidade única.

– Além dos locais turísticos,
optamos por visitar mercados que não vêm nos guias e que nos permitiram
contactar com a “Índia Real”, que os filmes de Bollywood não mostram. Talvez, por isso, tenhamos optado por ficar
na zona velha, que, apesar do lixo, da miséria humana, [que, inconscientemente, acabamos por aceitar como “normal”,
por mais cruel que isto vos pareça], e do trânsito caótico, é, ao mesmo
tempo, mais real e genuína.

Se nos conseguirmos abstrair do
choque inicial, Nova Deli acaba por se tornar numa cidade encantadora, com um
cheiro muito característico a arroz e especiarias, em que os habitantes são
afáveis e simpáticos, apesar de nos estarem sempre a tentar “chumbar” umas rupias. Aqui experimentei um dos melhores restaurantes onde já comi na vida:
o Karim´s. De cunho muçulmano, é considerado
o melhor restaurante não vegetariano da cidade e um dos melhores da Ásia.
A visita a Deli teria corrido
sobre rodas, se o Lobo Mau [e
espertalhão] não tivesse achado que estava tudo muito bom, mas que iria
ficar óptimo se tomasse um brunch com
ovos estrelados [gema a cair
sobre as torradas, incluída]. Em minha defesa tenho a dizer que o local
em questão tinha um “catrapázio” gigante na entrada a dizer “Recommended by Lonely Planet  [esse guia bíblico do viajante],
pelo que achei que não deveria haver problema. Raciocínio errado, muito errado.
Devo dizer que comecei a vomitar compulsivamente, ao ponto de quase desmaiar
dentro do metro de Deli, e de, no Hostel, o recepcionista querer chamar o “médico”
[aka curandeiro], o qual obviamente dispensei. Preferi optar por tomar o antibiótico [que o santo médico da Medicina do Viajante me havia receitado], e que teimava em não fazer efeito. Após o segundo dia, o
périplo por Deli foi feito a duras penas e a toque do soro em pó. Já que não
conseguia comer nada sólido e o calor e a humidade eram insuportáveis. Quando partimos para Jaipur, recordo-me de estar
na estação de comboios, que é absolutamente inarrável, com centenas de pessoas
a dormir na rua, e crianças a deambular na linha férrea, sob risco de morrerem
esmagadas, e de dizer ao meu irmão: “A viagem acabou aqui. Vou morrer e nunca
mais vou ver a mãe”. 

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